segunda-feira, 30 de novembro de 2009

A falência de Dubai

É sintomático o pedido de default (calote) de Dubai. Empurrado por um projeto que combinava financiamento externo, mão de obra importada e atração de negócios em serviços, o pequeno emirado era uma síntese do que chamamos de bolha. O que se fez ali impressiona, porque não é pouco fazer arranha-céus e ilhas artificiais no meio do deserto. Mas havia algo de estruturalmente errado. A produção real de Dubai não daria conta de financiar seu crescimento, que dependia da aceitação da ideia de que o emirado seria um entreposto moderno. A finança tem essa habilidade de tomar dinheiro barato, canalizar para ideias e transformá-las em realidade. Funciona bem, até o ponto em que a realidade começa a ficar para trás. Como no mercado imobiliário de Dubai. Como na Califórnia, ou na Flórida. No Reino Unido.

A crise ainda não acabou. Não se sabe quantas Dubais estão aí à frente esperando para serem varridas dos balanços dos grandes bandos. E, pior, o desbalanço da economia global, origem primária da crise, continua. A China, com seu crescimento simbiótico, dependente de exportações, continua acumulando reservas e colocando-as de volta no mercado financeiro, que procura novas Dubais. Que desta vez pode ser o governo norte-americano. Há gente dizendo por aí que o déficit público dos EUA é uma nova bolha. Só que de um tipo que nunca vimos explodir na hitória do capitalismo.

domingo, 22 de novembro de 2009

O Rock e a Moda - Parte 3

A geração sem futuro e o futuro de Vivienne
Em meados dos anos 70, a Inglaterra passava por uma intensa crise econômica. A taxa de desemprego era alta e a tensão entre as classes aumentava progressivamente. Os jovens não viam perspectiva: por onde quer que andassem, enxergavam apenas desolação e falta de esperança. Não havia o que fazer e muito menos lugar aonde ir. Dentro desse cenário, uma pequena butique no final da King’s Road (sempre ela!), em Londres, acabou servindo como ponto de encontro para essa juventude sem futuro.

Batizada de Sex, a loja pertencia a um jovem casal de estilistas, Malcolm McLaren e Vivienne Westwood, e vendia diversos artigos feitos de couro, metal e vinil, com claras inspirações sadomasoquistas. Dessa forma, Vivienne acabou se tornando a responsável por dar uma identidade visual a esses jovens e conferir ao movimento uma contextualização intelectual, o que lhe valeu o título de “rainha dos punks”. Para a alegria de sua clientela, sua criatividade não tinha limites: o que importava era descobrir até que ponto poderiam ir suas provocações, que envolviam, entre outras coisas, camisetas com mensagens ofensivas, peças repletas de detalhes metálicos, jaquetas surradas e calças rasgadas, além dos famigerados penteados moicanos coloridos. Graças à sua ousadia e capacidade de inovação, Vivienne ganharia renome e consagração internacionais, tornando-se uma das estilistas mais importantes da sua época.

Mas o legado de Vivienne não seria a única contribuição da Sex para a história do punk. Foi entre aquelas quatro paredes que nasceria também a banda-ícone do movimento: os Sex Pistols. Empresariados por McLaren, seus integrantes eram compostos por clientes e funcionários da loja. As canções dos Pistols eram bastantes simples e seguiam o modelo adotado por todas as bandas do movimento: músicas de no máximo três minutos, raramente com mais de três acordes. No punk, não era necessário saber tocar nenhum instrumento direito: o que importava era a atitude. Muito do espírito do punk pode ser perfeitamente resumido na postura do vocalista Johnny Rotten ao entrar para a banda. Quando perguntado pelos outros membros se sabia cantar, respondeu, sem pestanejar: “Não. Mas eu sei gritar.”

Os Sex Pistols: punk de butique.

A atitude do “faça você mesmo” levou milhares de jovens do mundo inteiro a montarem suas bandas e passarem a enxergar a música como uma possibilidade de futuro. O ideal e o visual punks se espalharam rapidamente, ainda que nos Estados Unidos, um país mais rico e menos ligado à moda, eles tenham ficados de certa forma retidos ao cenário underground. A cor preta, símbolo do movimento, marcaria também diversos outros estilos, como o gótico e o minimalismo japonês, e sua praticidade e sobriedade fariam dela uma mais fortes identidades da moda dos anos 80.

Mas nem tudo era revolta e desolação. Ao mesmo tempo em que os punks espalhavam lemas como “No Future” e “Fuck Off” pelos muros londrinos, havia gente que estava apenas a fim de se divertir. Era a febre disco, que trouxe às pistas um visual colorido, prático e repleto de brilho. O disco se tornou um imenso fenômeno musical e ajudou a trazer mais descontração e irreverência não só para a moda feminina, mas também para a masculina. A onda das discotecas, retratada em filmes como “Os Embalos de Sábado à Noite”, seria a última grande tendência a surgir nos anos 70. Mas uma nova década se aproximava, e a própria idéia do valor da moda como expressão da personalidade estava prestes a mudar.

Anos 80: o individualismo pós-moderno
Desde a metade do século, definida por convenção como início do pós-modernismo, algumas tendências começaram a se verificar nas ciências, artes e na própria sociedade. Entre elas, estavam a releitura do passado e a inclinação ao individualismo. Essas propensões foram se intensificando aos poucos e, ao menos no que diz respeito à moda, encontraram seu auge nos anos 80.

Foi nesse período que, mais do que nunca, o modo de se vestir se tornou um símbolo de pertencimento a um grupo. Ao mesmo tempo, as pessoas perceberam que era possível dar um toque pessoal e único às suas roupas, sem ter que abdicar das características gerais dos estilos nos quais se enquadravam. Dentro desse processo, aos poucos foi se percebendo que era possível encontrar inspiração no passado, misturando e reinventando características de diversos movimentos para criar um visual totalmente novo. É o caso de diversos artistas–símbolo dos anos 80, como Prince, Boy George e Madonna.

Vinte anos depois, ela encontrou Jesus.

Tomemos Madonna como exemplo, por ser ela capaz de personificar ambas as tendências. Com a rainha do pop, sai de palco a coletividade das bandas e entra o individualismo da mulher-espetáculo: Madonna é o show, e isso basta. Cai fora o visual único que permitia reconhecer uma banda a milhas de distância, e entra em cena o pastiche da mulher-camaleão: Madonna é punk, é material girl, é a reencarnação de Marilyn Monroe. Sua imagem de mulher forte, ousada e ambiciosa inspirou adolescentes do mundo inteiro, que enxergariam na cantora americana um modelo a ser seguido e passariam a comprar seus álbuns milionários e a lotar seus shows, concebidos no formato de superproduções, por muitos anos.



Continua...

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Filmes e livros

Comentários rápidos sobre filmes e livros que assisti e li recentemente.





O grupo Baader Meinhof
“O que é isso, companheiro?” com passaporte alemão. O diretor Uli Edel abusa na ação e na violência para contar a história do grupo guerrilheiro alemão que apavorou a RFA nos anos 70. A imprensa brasileira caiu em cima, talvez pelo fato do filme dar voz a uma organização terrorista de esquerda. Mas mesmo que a visão seja um pouco romanceada, a impressão que fica é de que sobrava hormônio e faltava neurônio. Bom mesmo deveria ser morar do outro lado do muro.

Direção: Uli Edel
Com: Martina Gedeck, Moritz Bleibtreu, Johanna Wokalek
Gênero: Drama
150 min



Trama internacional
Policial idealista tenta provar o envolvimento de banco multinacional em guerras e assassinatos. Direção estilosa, sem sofrer de complexo de atenção. Ainda que force a barra nas coincidências, o roteiro surpreende, com um discurso mais à esquerda do que seria de se esperar de um filme produzido por um grande estúdio como a Sony Pictures (o que talvez acabe invalidando suas idéias pela hipocrisia). E a cena do tiroteio no Guggeinhem já nasceu clássica.

Direção: Tom Tykwer
Com: Clive Owen Naomi Watts, Armin Mueller-Stahl
Gênero: Suspense
118 min




O príncipe maldito
Fruto de uma impressionante pesquisa histórica, o livro revela detalhes dos bastidores do poder e da vida privada da família real, focando na figura trágica de Pedro Augusto, neto de D. Pedro II e suposto favorito para a linha sucessória, que mais tarde acabaria internado em um hospício. O único porém fica por conta do estilo afetado da autora que, ao tentar romancear o relato, acaba assumindo o papel de narrador onisciente e se põe a projetar o fluxo de pensamentos dos personagens. Não é todo mundo que nasce Clarice Lispector.

Autora: Mary Del Priore
Editora: Objetiva
296 páginas




D. Pedro II
Com uma prosa que consegue ser elegante sem se perder em floreios, José Murilo de Carvalho traça um retrato benevolente de D. Pedro II, talvez uma das figuras mais subestimadas de nossa historiografia. Ao percorrer as páginas deste livro, o leitor fica sabendo que o imperador respeitava a liberdade de imprensa (“A imprensa se combate com a própria imprensa”), pagava suas viagens internacionais do seu próprio bolso, criticava a soberba da classe política e via na educação o caminho para o progresso. Deveria ser leitura obrigatória em Brasília.

Autor: José Murilo de Carvalho
Editora: Companhia das Letras
288 páginas

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

O futuro (paralelo) do livro


Você que me lê agora e que navega com destreza pela internet talvez nem imagine, mas o seu teclado foi projetado para complicar a sua vida. A história é conhecida: a disposição atual das teclas, o famoso padrão QWERTY, foi herdada das máquinas de escrever. Ao perceber que os usuários digitavam cada vez mais rápido, causando o enroscamento dos martelos que imprimiam os caracteres no papel, um fabricante de máquinas datilográficas lançou um desafio entre seus funcionários: criar uma tecnologia para acelerar os teclados. A iniciativa não teve muito resultado, até que alguém resolveu pensar fora da caixa e sugerir: por que, ao invés de aperfeiçoar as máquinas, não tornamos os digitadores mais lentos?

Foi o que aconteceu: as letras mais utilizadas, como “A” e “E”, foram jogadas para os lados, obrigando o usuário a utilizar os dedos mínimos para alcançá-las, o que dificultava a tarefa de escrever. Com o advento dos computadores, a necessidade de diminuir a velocidade dos digitadores deixou de existir, mas o padrão QWERTY seguiu firme e forte por um simples motivo: já estava consagrado.

Essa história, que li há muito tempo em um livro sobre criatividade chamado “Um toc na cuca”, sempre vem à minha cabeça quando passo os olhos sobre alguma nova matéria relacionada aos livros digitais. Isso porque, por mais inovador que um Kindle possa parecer (imagine carregar uma biblioteca inteira em sua mochila!), seu funcionamento básico é análogo ao de um livro de papel: é preciso virar páginas, a leitura é linear, feita de cima para baixo e da esquerda para a direita. Até o tamanho do aparelho é similar ao do seu colega centenário.

Dessa forma, assim como o uso do padrão QWERTY pode parecer absurdo para o usuário do século XXI, a tecnologia dos livros digitais parece cega às reais possibilidades que a digitalização e a democratização das informações proporcionada pela internet oferecem. Fala-se muito sobre o déficit de atenção das gerações mais novas e da sua dependência psicológica de interatividade e estímulos visuais. “Os jovens não lêem mais” é algo que se ouve muito por aí. Mas o fato é que as formas de narrativa consagradas, como o romance, a novela e o conto, permanecem presas a regras estabelecidas há centenas de anos. Não se atualizaram, não se renovaram: talvez essa seja uma explicação para a literatura estar se tornando “coisa de velho”.

Uma opção seria, então, adequar os livros às novas tecnologias. Se a moda agora é o blog e o twitter, por que não um blog-romance, onde os comentários acrescentariam subtextos aos dilemas do autor-narrador? Se a onda são os vídeos no you tube, por que não agregar filmes e fotos como forma de enriquecer a experiência proporcionada pela leitura? Antes que algum leitor torça o nariz, lembro que autores como Valêncio Xavier já fizeram experimentações nesse sentido, mesclando fotos, texto e recortes de jornal em livros consagrados como “O Mez da Grippe”. Ou melhor, por que não fazer da internet o palco para um grande, imenso romance, sem começo nem fim, com infinitos caminhos e becos sem saída, onde o leitor define a linearidade da sua história navegando por uma imensidão de links interconectados, em uma espécie de “O jogo da amarelinha” do século XXI?

Outros conceitos, como realidade aumentada, também poderiam ser aproveitados. Soube de um joguinho para Game Boy em que o jogador caça fantasmas em sua própria casa, fantasmas que só consegue “ver” através da tela do aparelho. Por que não desenvolver um software parecido com fins literários? Filma-se a realidade, o software reconhece os estímulos e a partir deles forma poemas que interagem com a imagem captada e exibida na tela. Talvez pareça bizarro ou repulsivo, mas tenho certeza que a poesia concreta já fez coisa muito pior, e houve quem aplaudisse.

Ou, indo ainda mais longe, que tal usar ambientes de realidade virtual, similares ao Second Life e aos RPGs on-line, para reproduzir cenários literários, possibilitando ao leitor extrapolar o conceito de Umberto Eco de que o romance tem no leitor o seu segundo autor? Imagine caminhar por Macondo, interagir com seus personagens, viajar ao lado do cigano Melquíades, comer terra com Rebeca, cunhar peixinhos de ouro ao lado de José Arcádio.

Literatos mais conservadores sempre poderão afirmar que tudo isso não passa de masturbação mental, que nada substitui a força de uma boa história, com começo, meio e fim. Eu próprio já argumentei, em post anterior, a favor do poder do livro de papel como objeto e conceito. Acredito que, por mais que as idéias apresentadas aqui um dia vinguem e provem ser mais do que o resultado de uma tarde de ócio, o livro como o conhecemos sempre prevalecerá. Interativa ou não, haverá literatura para todos. O que importa é que a arte da narrativa sobreviva. Entretanto, a grande questão que gostaria de expor é: se vamos digitalizar, se vamos modernizar, então que chutemos o balde, que pensemos fora da caixa. Do contrário, o livro digital será como o teclado QWERTY: uma idéia que, por estar presa ao passado, não realiza seu potencial e acaba se tornando um estranho anacronismo.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Murdoch contra o Google

Rupert Murdoch é um magnata excêntrico que insiste em investir em mídia. Tem jornais na Austrália, Reino Unido e Estados Unidos - onde fica a joia da coroa, o The Wall Street Journal. Mais excêntrico ainda, é ele comprar briga com o Google (e outros sites de buscas que, segundo ele, roubam conteúdo de seus sites). Murdoch está à frente do mais bem-sucedido modelo de venda de informação pela internet, o do WSJ, que tem mais de um milhão de assinantes e que não canibalizou as vendas de jornais impressos, por ora. Ele soube dar valor ao que produz e está à frente de uma máquina única de geração de conteúdo, com mais de mil jornalistas (o que inclui a agência Dow Jones). E não quer dar nada de graça. Quem quiser pesquisar seu conteúdo, vai ter que entrar no site, pelo que ele deu a entender.

Hoje o WSJ tem uma combinação de conteúdo fechado e aberto. O que sai de graça é uma espécie de isca para dar mais acessos ao (bom) site, mas é no conteúdo fechado que o jornal aposta. Ali estão as informações exclusivas pelas quais as pessoas pagariam. Em um acordo com o Google, o WSJ abre o conteúdo fechado para quem entrar no site através do buscador. Assim, uma dica: viu uma matéria no WSJ que é fechada? Basta procurar o título no Google, que dá para ler. A ideia é que o site se torne referência dentro do concorrido mundo das buscas, o que garante fluxo e receita publicitária.

Murdoch dá a entender que isso não é importante dentro de seu modelo. Não quer ninguém mais "roubando" seu conteúdo. Não sei até que ponto vale sua lógica, já que os links, mesmo com conteúdo fechado, poderiam aparecer na busca do Google. É claro que para o site de busca o que interessa é organizar conteúdo dos outros para ter acessos e, quem sabe, um cliquzinho ou outro em seus links patrocinados. Para o Google, pode ser o sinal dos tempos: se as pessoas não encontrarem mais o que querem, vão procurar em outro lugar. Não acho que chegaremos a tanto, porque a grande maioria dos sites ainda prefere ter tráfego a procurar assinantes. Mas é provável que alguns portais fiquem com a segunda opção.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

O rock e a moda - Parte 2

Swingin London
No início dos anos 60, a capital inglesa não era apenas um lugar. Era o lugar. Se você era jovem, se você era “in”, se você queria estar no centro dos acontecimentos, então você queria morar em Londres. Uma série de fatores contribuíam para compor esse cenário. Os liberais, pela primeira vez em treze anos, assumiam o governo. A classe baixa estava em ascensão: ser do povo era cool. A malandragem, a esperteza, o crime organizado reinavam soltos: valia tudo para ter seu espaço ao sol. O cenário era perfeito para o aumento da liberdade pessoal, para as experimentações, para a emancipação sexual feminina e para a explosão das mais diversas formas de arte.

A moda estava por todos os lados. Estilistas saíam das escolas de belas-artes e ganhavam o mercado, abrindo lojas em cada esquina. Mary Quant inaugura a Bazaar na lendária King’s Road e coloca as pernas das mulheres à mostra com a minissaia. Barbara Hulanicki leva o mundo teatral para sua boutique Biba e cria uma moda com inspiração romântica e exótica. Foale e Tuffin tomam a decisão de combinar pantalona e túnica ao som de muito rock’ n’ roll em sua pequena loja na Carnaby Street.

The hippie hippie shake.

As novas possibilidades não paravam de surgir para os Fab Four. Aos poucos, os Beatles começaram a adotar lições da filosofia oriental e se tornaram adeptos de um visual inspirado em modelos indianos. Mas, dessa vez, não estavam mais inventando moda. Eram apenas mais uma banda a entrar na onda da cultura hippie, que nascia e ganhava força também do outro lado do Atlântico.

Faça moda, não faça guerra
Revoltados com a Guerra do Vietnã, engajados na luta pelos direitos civis iguais para todos os grupos, indignados com o establishment, os jovens decidiram pôr abaixo as instituições mais básicas, criando comunidades totalmente à parte do sistema capitalista. Através de um visual “pobre” e homogêneo, os hippies dificultavam a distinção de classes em seu meio. Suas roupas, bastante coloridas, ganharam enfeites artesanais e floridos. Os cabelos eram longos e despenteados. As calças boca-de-sino cobriam os pés, muitas vezes descalços. Essa geração, famosa por entoar gritos de “paz e amor”, teria seu grande momento de celebração e difusão de idéias em 1969, naquele que viria a se tornar o concerto mais famoso da história do rock.

Realizado em uma fazenda a algumas horas de Nova York, o festival de Woodstock reuniu milhares de jovens com um mesmo ideal para assistir a artistas como Santana, Janis Joplin e Jimi Hendrix. O movimento hippie ganhou tanta força com o evento que viraria a década e continuaria sendo o principal elo de ligação entre música e moda até o surgimento de uma nova tendência, bastante inusitada e extravagante: o glam rock.

Nascido de uma derivação da palavra “glamour”, o termo glam foi escolhido para designar o estilo de alguns artistas que tinham em comum o visual composto por muito brilho e maquiagem, além da postura teatral, do som pop e da sexualidade altamente ressaltada em suas apresentações. Parte do glam era a mais pura diversão: não havia muita substância, apenas superfície e aparência. Era o caso de artistas como T. Rex e Gary Glitter. Do outro lado, estavam astros muito mais dramáticos e ambiciosos, como David Bowie, criador do alter ego Ziggy Stardust, uma estrela do rock andrógina vinda de outro planeta. Toda essa teatralidade e valorização do visual abririam caminho para aquele que pode ser considerado o movimento musical (e principalmente sócio-cultural) mais importante desde a beatlemania: o punk.




Continua...

As medidas do sucesso


Curioso como o conceito de sucesso no mundo esportivo se altera profundamente quando comparado com o dito "mundo real", principalmente para os brasileiros. O caso do piloto Rubens Barrichello é exemplar.

Há nada menos do que 17 anos, Rubinho integra o seletíssimo grupo de pilotos da Fórmula 1, considerada a elite do automobilismo mundial. É o recordista de grandes prêmios disputados na categoria, tendo participado de 288 provas, sendo que venceu onze delas e pontuou em outras 196. Foi duas vezes vice-campeão do mundo e é o quarto piloto que mais subiu ao pódio na F-1, terminando entre os três primeiros em 68 corridas. Para 2010, já tem contrato assinado com a Willians, uma das equipes que, mesmo passando por um momento de instabilidade, segue como uma das mais tradicionais da F-1. Mesmo assim, é provavelmente o esportista brasileiro mais achincalhado da história.

De fato, Rubinho parece sofrer com uma sina ou um péssimo azar que fazem com que certas coisas só aconteçam com ele. Mesmo assim, seus resultados são significativos, longe de serem desprezíveis. Mas o que chama mesmo a atenção é que até o salário do piloto, inatingível para 99,9% dos brasileiros, vira motivo de piada.

Em matéria recente para a TV Lance, que o leitor pode acompanhar clicando aqui, o comentarista satiriza o fato de Rubinho ter "apenas" o 16º maior salário da F-1. Isso mesmo informando que por "apenas", entenda-se U$ 1 milhão ao ano (ou cerca de R$ 1,7 milhão). Se essa foi a média dos salários de Rubinho durante sua carreira na F-1, é só multiplicar por 17 para saber que o piloto, aos 37 anos, já acumulou uma fortuna de mais de R$ 20 milhões. Isso só de salário, aquele que sua equipe lhe paga todo mês – sem contar as premiações por pódios ou corridas vencidas e o faturamento com cotas de patrocínio. Nada mal...

Agora imagine que Rubinho, ao invés de piloto, fosse um executivo brasileiro que trabalhasse em uma multinacional de automóveis e que, durante sua carreira, chegasse à vice-presidência mundial dessa empresa. Independente do salário que recebesse, seria difícil encontrar alguém que não o considerasse um executivo de sucesso e, principalmente, uma pessoa bem sucedida.

Aí é que, ao menos para os brasileiros, existe a ruptura entre o conceito de sucesso no mundo esportivo e na “vida real”. Nos esportes, mesmo aqueles de alto rendimento, com alto grau de competitividade, quase nada além do primeiro lugar é admissível. O segundo colocado é apenas o primeiro dos últimos. O que interessa é vencer. Caso contrário, restam a descrença as piadas, relegando o ser humano a último plano.

E é isso que vem atormentando Rubinho em boa parte de seus 17 anos na F-1. Tamanha aporrinhação acabou irritando o piloto, que ao menos aparentemente, sempre lidou bem com as brincadeiras. No domingo passado, após a última prova da temporada 2009, em que terminou na quarta colocação, o piloto foi à forra no Twitter, onde tem mais de 280 mil seguidores. “Na vida temos que encarar as dificuldades com otimismo. Trabalhar duro com sorriso na cara esperando sempre pelo melhor... Pra vc que não tem o que fazer e quer tirar um sarro do resultado de hj dê uma olhadinha na sua vida e veja se é feliz como eu sou”, disparou.

Para bom entendedor, dois simples tweets bastam...

Ficou para 2010

Já estava meio na cara que um novo pacto global para reduzir as emissões de gases do efeito estufa, esperado para sair em Copenhague em dezembro, ficaria para depois. Nesta semana em Barcelona, a União Europeia disse que o acordo vai mesmo ficar para o ano que vem. Faltarão então dois anos para o fim de Kyoto, o protocolo que teve efeitos pífios, mas nos deu um formato para novos acordos.

Parece que dois anos é tempo bastante, mas acho que temos aqui um sinal vermelho aceso. Nada garante que até o ano que vem os atritos de agora estarão resolvidos -- os americanos ainda preferem uma meta interna, mais leve, o Brasil perdeu a chance de propor sua própria meta, a UE está rachada entre Leste e Oeste, a China não diz a que veio e a Índia não quer conversa. Temos um cenário complicado para implementar medidas que não são simples. Se haverá uma nova meta para o período 2012-2020, os países precisam se preparar desde já. Fiquemos com o exemplo do Brasil. Em um pacto ideal, o Brasil teria de apresentar uma meta -- algo como reduzir o desmatamento em 50% ou 80% até 2020. Se começar em 2012, terá perdido um tempo precioso.

Nesta semana fui à abertura do Global Forum em Curitiba, onde eles reprisaram um vídeo gravado pelo economista Jeffrey Sachs. Ele se tornou respeitado por seu trabalho sobre a redução da pobreza e é um dos maiores especialistas em sustentabilidade do mundo. Ele toca na Universidade de Columbia um dos melhores centros de estudos do assunto no globo, e lança o desafio: os céticos que não acreditam no aquecimento global que passem em Columbia. O centro coloca à disposição de quem quiser 800 dos maiores especialistas do mundo. O alerta de Sachs é o seguinte: temos ainda como fazer uma escolha entre desacelerar as mudanças climáticas ou pagar para ver. E, sinceramente, eu não jogaria pôquer com as forças da natureza. O vídeo está aqui:

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Filmes

Comentários rápidos sobre filmes vistos recentemente.

Substitutos
Estrelado por Bruce Willis, “Substitutos” parte de uma premissa interessante: o que aconteceria se o Second Life saísse do computador e ganhasse a realidade? Infelizmente, as inúmeras questões éticas e filosóficas que a trama poderia levantar ficam, em grande parte, no papel (ou na imaginação do espectador ao sair do cinema). As cenas de ação e os efeitos especiais são apenas corretos. Se for visto como ficção científica, o longa pode decepcionar, mas se for encarado como um policial, está bem acima da média.

Direção: Jonathan Mostow
Com: Bruce Willis, Radha Mitchell, Rosamund Pike
Gênero: Ficção científica, policial
104 min.

Anticristo
No filme-polêmica de Lars Von Trier, você irá ver cenas de sexo explícito, de tortura e de mutilação auto-imposta. Mas, passado o choque inicial, o que sobra é uma história meia boca sobre a maldade intrínseca do homem e sobre o fracasso em se tentar impor uma lógica à natureza (como avisa a raposa falante, “o caos reina”). Visualmente, o filme tem seus atrativos, mas nada que Von Trier já não tenha feito antes sob a estética do Dogma. Talvez o único destaque fique por conta da entrega total de Gainsbourg. Quem diria que filmes como “O albergue” e “Jogos mortais” teriam um efeito benéfico: ao amortecerem nossos sentidos contra o bizarro, nos tornam enfim capazes de enxergar os defeitos de obras como esta.

Direção: Lars Von Trier
Com: Willem Dafoe e Charlotte Gainsbourg
Gênero: Terror, drama
109 min.

Te amarei para sempre
Como contar uma história de amor sem cair na mesmice? Usando elementos fantásticos. Essa é a resposta encontrada por alguns dos poucos filmes românticos originais lançados recentemente nos EUA, como “A casa no lago” e este “Te amarei para sempre”. Aqui, o que dá o tempero de ineditismo é o protagonista capaz de viajar no tempo. Ainda que demore um pouco para engrenar, a história funciona e envolve, além de conseguir tocar, com leveza e bom humor, os paradoxos que o tema envolve e os efeitos que ele teria sobre a vida de dois amantes. Ótima surpresa.

Direção: Robert Schwentke
Com: Rachel McAdams e Eric Bana
Gênero: Romance, ficção científica
107 min.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Nudge

Não é sempre que posso dizer que o governo acertou ao mudar impostos. Um estado cujos gastos aumentam mais do que a receita deixa qualquer contribuinte com o pé atrás. Mas na semana passada foi anunciada a manutenção do IPI reduzido para a linha branca com um critério novo: paga menos imposto o produto que usar menos energia. Esse é um típico caso em que o governo é esperto o suficiente para empurrar os cidadãos na direção correta. Não é certo que as pessoas, movidas por interesse próprio, como prevê a economia elementar, escolham o refrigerador mais eficiente porque querem economizar na conta de luz. Elas podem escolher a geladeira mais bonita, ou a mais barata, independentemente da tecnologia empregada. O governo acaba de ajudá-las na escolha.
Descrevo a ação do governo como um empurrão porque estou imitando a expressão em inglês "nudge", usada por Richard Thaler e Cass Sunstein em (ótimo) livro homônimo, já traduzido para o português. Eles defendem uma espécie de estado intervencionista esperto, que deixa as pessoas livres para decidirem, mas corrige algumas imperfeições do mercado. No caso das geladeiras, o governo já tinha colocado etiquetas que indicam o consumo. A informação ajuda, mas nem todos sabem interpretá-la. O imposto diferenciado é um empurrão mais certeiro.
E por que o governo deveria ligar para a geladeira que nós compramos? Eficiência energética deveria ser política pública de primeira grandeza, com um PAC, se preciso. Não tem PAC para tudo no Brasil? Estamos em um momento em que a tendência de médio prazo é de aumento no uso de fontes fósseis de combustíveis no país para o fornecimento de eletricidade. As novas grandes hidrelétricas vão se concentrar na Amazônia, onde é difícil conseguir licença ambiental e é demorado construir. O contrário do que ocorre com uma termelétrica a gás ou carvão. Ao mesmo tempo, é cada vez maior a pressão para que os grandes emergentes (do BRIC) tenham planos para controlar suas emissões de gases do efeito estufa. Uma forma no Brasil seria construindo menos termelétricas, o que seria possível com maior eficiência no uso da eletricidade.
A lógica vai mais além. Qual a maneira mais barata de reduzir emissões? Com eficiência no uso da energia - o custo, aliás, muitas vezes é menor do que a economia em energia. E é bom que o governo mostre que entende de "nudges". Ele vai precisar usar muitos para lidar com a fonte de emissões que deve garantir uma das maiores reduções e que, por isso, é chave para conter as mudanças climáticas: o desmatamento.
Você arriscaria dar sugestões de nudges para reduzir o desmatamento?

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

1808, dois anos depois


Acabo de ler, com muito atraso, “1808”, de Laurentino Gomes. A essa altura, o livro já se consagrou como um bestseller inquestionável: figurou durante 104 semanas consecutivas na lista de mais vendidos da revista Veja e, segundo a Editora Planeta, já conta com “mais de 3 milhões de leitores” em todo o país (não me pergunte como chegaram a esse número). Além disso, a obra também arrebatou os prêmios Jabuti e Livro do Ano.

Não há como negar que “1808” tenha seus méritos. Consta que o livro consumiu 10 anos de pesquisas, cujo resultado é visível: em suas páginas transbordam dados, curiosidades e referências. Além de narrar a vinda da família real portuguesa para o Brasil, Gomes também joga luz sobre fatos e aspectos que costumam ser ignorados por outras obras do gênero, como o que aconteceu com Portugal durante o período em que D. João VI permaneceu na colônia e o que aconteceu ao monarca depois que voltou para a metrópole.

Mas provavelmente o grande mérito do livro seja também o seu maior defeito: “1808” é um impressionante compêndio de informações, e só. Nada de revelações bombásticas: D. João realmente carregava franguinhos em seus bolsos; Carlota Joaquina realmente tirou a poeira dos sapatos quanto partiu do Brasil. Nada de teses inovadoras: Gomes se limita a relatar os dados que compilou, de forma saborosa, vá lá, mas sem lançar um olhar diferente à historiografia já estabelecida.

Não deixa de ser irônico, portanto, que a grande revelação do livro seja relacionada à vida particular do arquivista real Luis Joaquim dos Santos Marrocos, figura menor sobre a qual Gomes dedica mais páginas do que necessário e cuja vida é usada para se traçar um paralelo artificial com a trajetória do próprio país.

Dessa maneira, “1808” se enquadra em uma linha editorial já explorada e consagrada pelo também jornalista Eduardo Bueno: a do livro de história que não questiona e não incomoda, mas instrui e diverte. Talvez isso explique sua enorme popularidade (além, é claro, do imenso hype feito pelas revistas da Abril). Nada de linguagem acadêmica ou do estilo exuberante de um Sérgio Buarque de Holanda: “1808” é fácil e gostoso de ler. Seus capítulos são curtos e sua temática, acessível.

Fica então a pergunta: “1808” é um bom livro? A resposta depende da sua expectativa como leitor. Se você espera um olhar original sobre um dos grandes momentos da nossa história, provavelmente irá se decepcionar. Mas, se a intenção é apenas passar algumas horas com uma leitura prazerosa, fruto de um grande trabalho de pesquisa, então a obra de Laurentino Gomes é um prato cheio.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

O rock e a moda - Parte 1

Texto das antigas, que eu achei que viria a calhar aqui no Newsper


Pense na sua banda de rock favorita. Aquela que lota a memória do seu computador com dezenas de arquivos mp3 e que gravou aquele CD que nunca sai do toca-discos do seu carro. Uma banda que possui um sucesso com um refrão tão poderoso que faria você viajar algumas centenas de quilômetros apenas para cantá-lo junto com o vocalista, se arrepiando até o último fio de cabelo. Agora pense na maneira como essa banda se veste, nas roupas e acessórios que seus integrantes usam, e tente encaixar seu estilo dentro de algum movimento ou tendência da moda. Achou difícil? Provavelmente não.

Essa facilidade só ocorre porque, desde o final da Segunda Guerra e do nascimento do rock, a moda e a música costumam andar juntas, influenciando-se mutuamente. Mais do que meras manifestações culturais, ambas são um reflexo do que se passa na mentalidade da sociedade à qual são contemporâneas, revelando seus desejos, sonhos e ideologias. Esse processo se dá de diversas formas. Por vezes, uma banda lança moda, uniformizando o visual dos seus fãs nos quatro cantos do mundo. Por outras, a moda lança uma banda, que acaba agindo como porta-voz de um movimento social já existente. Por fim, há casos em que a moda e o rock se encontram tão intrinsecamente ligados que é impossível definir quem deu origem a quem.

Entretanto, da mesma forma como é difícil estabelecer quando foi o exato nascimento do rock, é bastante complicado precisar em que momento teve início essa relação tão íntima entre moda e música. Uma das possíveis respostas, e talvez a mais provável, é um tanto inusitada: o primeiro visual roqueiro a influenciar o imaginário da moda teria vindo do... cinema.

Rockers, existencialistas e Beatles
Entender é mais simples do que parece. Durante os anos 50, começou a surgir entre os jovens uma sensação de poder e rebeldia que os colocava em confronto direto com seus pais. Essa nova geração, que questionava ferozmente os valores burgueses da sociedade, encontrou em ídolos como James Dean e Marlon Brando um modelo a ser seguido, uma vez que esses dois atores encarnavam o estereótipo de eterna juventude e representavam uma fuga da vida medíocre e voltada ao trabalho que então imperava. Tendo essas referências em mente, por todos os lados começaram a pipocar adolescentes vestindo camisetas e jeans gastos, jaquetas de couro preto e cabelo com brilhantina, tal qual os ícones hollywoodianos. Esses mesmos jovens também viram na rebeldia do rock um instrumento para canalizar seus anseios, o que acabou por levar o visual rebelde também para o meio musical.

James Dean apontando para a direita.

Mas os “rockers”, como eram chamados, não estavam sozinhos. Convivendo não muito pacificamente com eles havia os “existencialistas”. Fãs de Sartre, Beauvoir e Camus, os grupos de existencialistas eram compostos basicamente por artistas e estudantes universitários que demonstravam sua oposição ao sistema de uma forma um pouco mais intelectualizada. Também eram adeptos das jaquetas de couro, ainda que estas fossem mais curtas que as de seus rivais roqueiros. Gostavam de usar roupas escuras, calças justas e suéteres com gola olímpica. Seguiam a moda francesa de pentear o cabelo para frente e se esforçavam em transmitir um imperturbável ar blasé.

Marlon Brando: "Então não brinco mais."

Foi numa tentativa de conciliar a moda de rockers e existencialistas, agradando aos dois públicos, que surgiu o famoso visual dos Beatles. O corte de cabelo, considerado escandaloso para a época, foi uma mistura do corte francês adotado pelos existencialistas com o corte rocker, mais volumoso na parte de trás. Os ternos sem lapela, desenhados pelo então “alfaiate dos astros” Dougie Millings, foram inspirados em paletós curtos estilo mod que os quatro rapazes de Liverpool haviam visto no bairro de Montmartre, durante uma viagem à capital francesa. Já as “botas Beatle”, com salto de altura média, eram compradas em uma loja de artigos para dança e teatro em Londres.

"Esta é a última vez que eu explico, Ringo: quando a música acaba, só um pode sentar na cadeira."

A música e a moda dos Beatles explodiram rapidamente, influenciando de forma definitiva o som e o visual de inúmeros grupos. Da noite para o dia, a impressão que se tinha era que o mundo inteiro se vestia como John, Paul, George e Ringo. Liverpool obviamente se tornou pequena para a banda, e a coisas tomaram uma proporção tão absurda que só havia um caminho a seguir. Esse caminho levava a Londres.




Continua...

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Maratona AFI - #100 - A canção da vitória


Seja sincero: o que você faria se alguém te obrigasse a assistir a um clássico em preto e branco dos anos 40? Talvez até topasse, certo? Mas antes de responder saiba que se trata de um musical. E não é só: dizem por aí que a história é uma tremenda patriotada americana, repleta de bandeiras, listras e estrelinhas.

Bom, essa era mais ou menos a sensação que eu tinha ao colocar o disco de “A canção da vitória” pra rodar no meu aparelho de DVD. Talvez você fique ainda mais desconcertado ao saber que a pessoa que me obrigou a passar por essa experiência era ninguém mais, ninguém menos, do que eu próprio, Leonardo, 30 anos, redator em crise.

Antes que você saia me acusando de sadomasoquismo ou resmungue algo do tipo “Eu sempre achei esse cara meio estranho mesmo”, vou tentar explicar como fui parar no meio dessa situação insólita. Para isso, terei que voltar um pouco no tempo.

Em 1997, o American Film Institute, organização dedicada “ao reconhecimento e à celebração da excelência na arte” do cinema, elegeu o que seriam os “100 melhores filmes americanos de todos os tempos”. Como toda lista que se preze, a relação foi criticada, detonada e desprezada por especialistas do mundo todo. De qualquer forma, acabou se tornando referência para diversos cinéfilos, incluindo aí este que vos escreve, e ganhou inclusive uma versão atualizada 10 anos depois.

Estamos de volta a 2009. Este intrépido blogueiro, em uma tarde de pouca inspiração, decide que seria por bem assistir, ou reassistir, a cada um dos 100 filmes da lista original da AFI e comentá-los aqui no Newsper porque:

a) Achou que, na pior das hipóteses, seria um bom aprendizado sobre a sétima arte;
b) Adora completar uma lista;
c) Não tem nada melhor para fazer.

Tomada a decisão mais difícil, qual seja, a de realizar a viagem, faltava apenas definir qual seria a rota. Decidi então começar pelo 100º lugar, que se trata justamente de “A canção da vitória”, e a partir daí ir assistindo filme por filme até chegar ao primeiro colocado.

Bom, agora você entende.

Mas antes de dar a minha opinião geral sobre a experiência, um pouquinho de história. “A canção da vitória” (ou “Yankee Doodle Dandy” no original) foi lançado em 1942, em plena Segunda Guerra Mundial. O filme retrata a vida de George M. Cohan, um dos maiores astros dos musicais americanos do início do século XX. Tudo bem que, no filme, a vida do sujeito seja um pouco romanceada (na verdade, muito romanceada). Cohan é retratado como um tipo simpático, apoiado por sua família até mesmo nas decisões mais difíceis, casado com uma mulher submissa e condescendente, o que, como é fácil de descobrir na Internet, não corresponde necessariamente à verdade.

Responsável por vários sucessos da Broadway, Cohan tinha na dramatização de sua biografia um potencial êxito de público. Por isso, a Warner não quis arriscar e escalou Michael Curtiz para a direção. Talvez você não esteja ligando o nome à pessoa: Curtiz é o homem por trás de “Casablanca”, também de 1942, e de mais 160 filmes que o consagraram como um dos mais versáteis talentos da Warner. Na época, o estúdio era famoso por seus filmes de gangsters, que tinham nos atores Edward G. Robinson e James Cagney dois de seus maiores ícones. Pois é justamente Cagney, que já havia sido dirigido por Curtiz no filme “Anjos de cara suja”, quem interpreta o protagonista de “A canção da vitória”. Conhecido por seus tipos durões, foi no papel de Cohan que o ator pôde finalmente exibir seus dotes de dançarino e cantor, em uma atuação que seria recompensada com o Oscar daquele ano.

Bogart e Cagney em Anjos de cara suja: "Isto é por trocar a Ingrid Bergman por aquele capitão bigodudo!"

Repleto de números musicais com temas tipicamente americanos, o longa é assumidamente patriótico. Também pudera: durante a guerra, o cinema passou a ser visto como uma forma de levantar o moral da nação e fazer propaganda dos ideais democráticos. Consta que, já em 1942, 1/3 dos filmes saídos de Hollywood tinham como cenário os campos de batalha. O público correspondeu comparecendo às salas de cinema em massa e, ao final do conflito, as bilheterias já se comparavam às do período anterior à Grande Depressão.

A história de “A canção da vitória” não tem muito segredo: ao ser chamado para conversar com o então presidente Franklin Roosevelt, Cohan tem a oportunidade de contar a sua vida, explicando como saiu de uma família de pequenos artistas para se tornar uma das grandes figuras da Broadway. Os números musicais, portanto, fazem parte do contexto do filme. Ou seja, nada daquelas cenas em que os personagens começam a cantar no meio de um diálogo, acompanhados por desconhecidos que, sabe-se lá como, também conhecem a letra da música.

Até o Sarney faz a sua pontinha.

A essa altura talvez você já esteja se perguntando, “Mas, afinal, vale a pena o programa?”, ao que eu prontamente respondo, “Sim, meu pequeno gafanhoto”. Talvez porque, e agora tire as crianças da sala porque vou fazer uma revelação bombástica, eu gosto de musicais. E, caso você tenha preconceito contra o gênero, eu recomendo: experimente assistir a um musical, nem que seja apenas uma vez na vida. De preferência a algum clássico, como “Dançando na chuva”. Você vai se surpreender, porque muitas das canções e coreografias são realmente empolgantes. Se ainda tiver alguma pulga atrás da sua orelha, pense: oras bolas, o tal do Cohan não deve ter feito sucesso por acaso. Certamente há de haver algo de interessante em suas músicas.

Além disso, você há de convir que um diretor como Curtiz, com tantos filmes nas costas, deve saber o que está fazendo. A história tem ritmo, James Cagney é realmente carismático e, ainda que algumas situações sejam um pouco previsíveis e esquemáticas, há alguns diálogos realmente bem sacados.

De forma que “A canção da vitória” acabou se revelando, no final das contas, um filme bastante simpático. Tudo bem que você provavelmente terá vontade de dar uma surra na versão mirim do protagonista ao menos umas cinco vezes durante a primeira meia hora de projeção. Mas, se baixar suas defesas, eu garanto que, assim como eu, você pode acabar se divertindo.

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Título: A canção da vitória (Yankee Doodle Dandy)
Direção: Michael Curtiz
Com: James Cagney, Richard Whorf, Joan Leslie
Gênero: Musical
Ano: 1942
126 min.

Pós-Copenhague

Estamos a 45 dias do encontro de Copenhague no qual serão discutidas novas metas para a redução das emissões de gases de efeito estufa. É uma espécie de pós-Kyoto, que previa metas para os países desenvolvidos até 2012 e que não foi cumprido totalmente, em grande parte por causa da ausência dos EUA. E agora podemos ver a história se repetir. Fala-se já em um pós-Copenhague nos círculos mais céticos da negociação internacional. O que pode dar errado em na Dinamarca?

1. Os Estados Unidos dão poucos sinais de que cumpririam uma meta estabelecida em acordo internacional. Preferem metas próprias, menores. Também exigem limites para os emergentes.

2. Os dois emergentes que mais poluem, China e Índia, estão muito pouco inclinados em aceitar metas, ou metas ambiciosas, como exigem os ambientalistas.

3. Há muitas dúvidas sobre como funcionariam os mecanismos de compensação de emissões entre países ricos e pobres, sobre as fontes de financiamento e sobre o funcionamento do mecanismo de redução do desmatamento. Não adiantaria metas sem isso.

O Brasil diz um dia que vai ter meta, no outro diz que não - fruto da divisão entre ministérios envolvidos com o assunto. Sem uma meta global, não seria diplomaticamente recomendável que o país aceitasse reduzir sozinho e sem financiamento externo suas emissões. Também seria um erro não apresentar boa vontade em reduzi-las, principalmente através da diminuição do desmatamento, nossa maior fonte de gases de efeito estufa. Há quem aposte que o Brasil vai apresentar um instrumento intermediário: um compromisso em reduzir o desmatamento, com um percentual não muito ambicioso.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

O desinformante!


Mark Whitacre é um executivo aparentemente simpático, quase bonachão, que trabalha na ADM, uma multinacional da área de alimentos. Um dia, ao ser designado para detectar uma falha na linha de produção de sua empresa, Whitacre rapidamente levanta a possibilidade de espionagem industrial. O fato chama a atenção do FBI, que, ao pressionar o protagonista em busca de mais informações, acaba tomando conhecimento da existência de um grande cartel internacional, supostamente liderado por diretores da própria ADM, formado por empresas cujo objetivo é controlar os preços de seus produtos no mercado mundial.

Essa é a história verídica de “O desinformante!”, longa dirigido por Steven Sordebergh, que seria apenas mais um filme sobre os bastidores escusos das grandes corporações não fosse por um detalhe: a questionável idoneidade do próprio Whitacre. Seria ele realmente uma fonte confiável? Será que Whitacre não passaria de um mitômano ou teria ele um interesse especial nos resultados das investigações?

Grande parte do mérito por tornar o protagonista de “O desinformante!" tão interessante está na atuação de Matt Damon. O ator, que engordou diversos quilos para encarnar Whitacre, confere ao personagem uma série de pequenos trejeitos, que contribuem para fazer do executivo uma figura ainda mais intrigante. Os fãs de Sordebergh também não irão se decepcionar, já que “O desinformante!” carrega todas as características que marcaram as outras comédias do diretor: o clima setentista, a fina ironia, a trilha sonora engraçadinha, os diálogos espertos, o humor muitas vezes involuntário dos personagens.

Entretanto, ainda que traga um ar de novidade aos filmes de espionagem corporativa, “O desinformante!” acaba padecendo do mesmo defeito de outros exemplares recentes do gênero, como “Duplicidade” e “Conduta de risco”: o de despertar aquela incômoda sensação de parecer mais longo do que realmente é. Sua história, rocambolesca, aos poucos vai se tornando repetitiva e previsível. Para cada mentira descoberta pelo FBI, Whitacre é capaz de inventar uma nova, mais escabrosa, que por sua vez será novamente descoberta e assim por diante.

Felizmente, é sobre a misteriosa figura de Whitacre, e não sobre a investigação em si, que Sordebergh se debruça com mais afinco. Repleta de contradições e idiossincrasias, é a personalidade do protagonista o elemento que confere força ao filme, garantindo a funcionalidade da história e fazendo com que o espectador saia do cinema satisfeito com o que viu.

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“O desinformante!” foi distribuído no Brasil com legendas extremamente finas, que freqüentemente desaparecem em meio à fotografia superexposta do filme. Para piorar, assisti ao longa no Unibanco Arteplex (cinema do qual gosto bastante, pelos títulos e preços), cuja cópia estava com um som horroroso, repleto de chiados. Fica, portanto, a dica: vá a outro cinema ou espere o DVD.

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Se gostar de “O desinformante!”, procure também: “Duplicidade”, de Tony Gilroy, e “Queime depois de ler”, de Ethan e Joel Coen.

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Título: O desinformante!
Diretor: Steven Sordebergh
Gênero: comédia
108 minutos

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Capital abundante

Está curiosa a choradeia da BM&FBovespa contra a taxação do capital externo que entra no país. A Bovespa é uma empresa privada, com ações negociadas em bolsa e que lucra com as taxas pagas em cada operação. Quando o governo anunciou que cobraria IOF do capital externo, seus papéis perderam valor porque os investidores temiam que ela perderia alguns clientes e, claro, faturamento. Nos últimos três dias a Bovespa vem argumentando que o mercado de capitais deu um passo atrás, mas ela não é grande fonte para discutir o assunto. Igualar o interesse público com o da companhia (e não discute-se aqui a importância de uma bolsa organizada, o que é bom para o país) é um pouco superficial.
Na briga entraram também outras empresas que dizem que irão perder com o custo mais alto de operações com capital externo, em especial a emissão de títulos. Até exportadores reclamaram, pois sabe-se que a medida pouco mexe com a cotação do dólar.
Mesmo com toda a crítica, a medida de cobrar imposto desses investimentos tem lá seu sentido. O governo aproveitou uma chance única: arrecadar mais com um imposto que pouco pune a produção, com a vantagem de segurar um pouco o inchaço nos mercados financeiros. O Brasil vem recebendo uma enxurrada de dólares captados a custo zero, ou menos de zero, e que rendem bem com a arbitragem entre os juros brasileiros e os pagos no exterior - ou com o rendimento mais robusto de sua bolsa. Mexer com capital externo ficou mais caro, fazer o quê?
Mudar o foco da reclamação. É hora de cobrar do governo o que ele vai fazer com a arrecadação extra. Fala-se em algo como R$ 10 bilhões a mais por ano, que não deveriam ir para o custeio da máquina estatal. Mas vão. Se a ideia é mesmo fazer uma política contracíclica, que evite bolhas e reaja a recessões, o dinheiro deveria ser usado para reduzir a dívida pública e criar uma "gordura" que poderá ser queimada na próxima recessão (que, acreditem, pode não estar tão longe). Em uma nova crise, o governo poderia ter margem para reduzir o imposto e atrair capital (se necessário) ou aumentar a dívida para estimular a economia de alguma outra forma.

O lucro do Kindle

Outro dia o Leonardo fez algumas considerações sobre o Kindle. Pois hoje foi divulgado um belo crescimento no lucro da Amazon (62%, nada mal para um período de crise) puxado justamente pelo aparelhinho de leitura. É um pequeno sinal do potencial dessa mídia, e que deixa com pé atrás quem trabalha com a criação de conteúdo e está acostumado a controlar também sua distribuição. Se quiser usar o Kindle para distribuir suas notícias, uma revista, por exemplo, deixará de ter o custo da gráfica para ter o custo Amazon - e não é pouco o que a empresa cobra. Mas isso em um mercado ainda com pouca competição e que logo pode ser invadido por concorrentes.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Distrito 9


A essa altura, você já deve estar careca de ouvir falar sobre “Distrito 9”, o filme-sensação da temporada. Sabe que a história gira em torno de um grupo de ETs refugiados em Johannesburgo, sabe que se trata de uma metáfora do apartheid e sabe que o longa foi produzido por Peter Jackson, o diretor de “Senhor dos Anéis”.

O longa gerou um certo burburinho na imprensa especializada, não só por sua criativa campanha de marketing (cartazes foram espalhados pelos EUA com a imagem de um ET acompanhada por um número de disque-denúncia) ou por seu faturamento de US$ 163 milhões ao redor do mundo (custou “apenas” US$ 30 milhões), mas por, supostamente, trazer um ar de renovação aos filmes de ficção-científica.

Infelizmente, ao final de seus 112 minutos, chega-se facilmente à conclusão de que o filme tem pouco de inovador. O começo até promete: os personagens e a trama básica são apresentados na forma de um documentário, com todas as características típicas do gênero: câmera tremida, depoimentos contraditórios, imagens desfocadas. Os efeitos especiais são fantásticos, principalmente quando se leva em consideração o orçamento "modesto" da produção. As analogias com a realidade dos negros na África do Sul (e com qualquer outro povo que sofra com alguma forma de repressão e discriminação) durante o infame regime segregacionista são criativas e pertinentes. O elemento gore é usado de forma interessante: em um filme sobre genocídio, é muito mais tolerável assistir a alienígenas explodindo do que humanos. Dessa forma, o longa consegue a façanha de manter o foco sobre suas questões principais sem se tornar uma experiência apelativa e, ao mesmo tempo, sem perder a força de sua temática, pois não é obrigado a fazer concessões para se tornar mais palatável.

O grande problema de “Distrito 9” é que as críticas sociais rapidamente dão lugar a uma trama banal de ação, com todos os defeitos do gênero: muito barulho, tiros e explosões inconseqüentes por todo lado. O que antes era uma mistura de “Cidade de Deus” com “Guerra dos Mundos” acaba virando uma espécie de “Transformers” na favela. O filme entra então em um terreno delicado: ao usar a temática da intolerância para construir um blockbuster, “Distrito 9” se aproxima exatamente do processo de espetacularização da tragédia que pretendia criticar.

Mas, enfim, talvez a maior prova de que “Distrito 9” não passa de mais do mesmo seja esta: o filme termina em aberto, e uma continuação já está sendo discutida. Acaba de nascer mais uma franquia. Sinal de que, por mais que humanos sejam substituídos por alienígenas, a história continua sempre a mesma.

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“Distrito 9” é uma adaptação do curta “Alive in Joburg”, também dirigido por Neill Blomkamp, e que você pode conferir abaixo:





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Título: Distrito 9
Diretor: Neill Blomkamp
Gênero: Ação
112 minutos

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Comportamento contagioso

"

Não é novidade a tese de que a obesidade é contagiosa. Um estudo publicado em 2007 por pesquisadores de Harvard e da Universidade da Califórnia acompanhou um grupo de pessoas durante um período de 30 anos e notou que havia um ganho de peso maior em quem tinha conexões fortes com alguém obeso. O fenômeno foi bem resumido em uma animação feita com bolinhas. E isso tem tudo a ver com o post anterior que questionava a possibilidade de encontrarmos logo uma nova bolha econômica pela frente. No caso da conexão dos gordinhos, a hipótese levantada pelos pesquisadores é que há um fator comportamental importante na evolução do nosso peso. Somos influenciados por nossos conhecidos e tendemos a imitar o comportamento dos outros -- o que vale para hábitos alimentares. Se você quer perder peso, saia com pessoas que comem muita salada (ok, é uma conclusão simplista, mas é mais ou menos isso).

Economistas que estudam como o comportamento das pessoas influencia decisões que, em teoria, são racionais, apresentam uma tese muito boa para entender as bolhas. Quando nossas conexões mais próximas estão refinanciando a casa para pagar a conta de cartão de crédito, temos algum incentivo para fazer o mesmo. O risco de um comportamento comum virar bolha vem quando ele passa a influenciar a tendência de todo um mercado. Os preços das casas nos EUA, para ficar na causa da última crise, subiram muito rápido, o que reforçava o comportamento arriscado de tomar empréstimos partindo do princípio de que o valor futuro da casa pagaria o financiamento. Do outro lado do balcão, os executivos de Wall Street tinham incentivos para conceder empréstimos arriscados porque, bem, todos estavam fazendo o mesmo para garantir o bônus de fim de ano.

Tivemos em Curitiba outro fenômeno que foi uma quase-bolha. Com o surto de gripo suína, houve uma sensação de pânico que só encontrou conforto na onipresença dos tubinhos com álcool em gel. Não adiantava argumentar que água e sabão são mais eficientes. Gente que vinha de outras cidades achava no mínimo estranho a neura com o álcool. O preço do álcool disparou e acredito que muitas lojas passaram a fazer estoque do produto para explorar a alta. Naturalmente, a bolha desinflou sem danos econômicos (fora para quem pagou R$ 50 por um tubo de álcool que hoje não vale R$ 5).

terça-feira, 20 de outubro de 2009

O Rio não é Londres


Pegou mal, muito mal mesmo, na imprensa internacional o mais recente episódio da guerra nos morros do Rio de Janeiro, poucos dias depois de a cidade ter sido escolhida como sede dos Jogos Olímpicos de 2016. Jornais de todo o mundo destacaram os tiroteios que mataram 21 pessoas no último fim de semana, três delas após a queda de um helicóptero da polícia, abatido a tiros por traficantes.
As cenas, que mais parecem de um filme de Hollywood, impressionaram correspondentes estrangeiros e repercutiram especialmente em jornais de países envolvidos diretamente na disputa pela sede da dita Olimpíada, como Estados Unidos e Espanha.
O Chicago Tribune, principal jornal de uma das três cidades superadas pelo Rio na eleição final do Comitê Olímpico Internacional (COI), destacou as promessas feitas pelas autoridades brasileiras de que haverá segurança durante a Olimpíada, “apesar das guerras de gangues”. O veículo ressaltou ainda que os tiroteios no Morro dos Macacos ("Monkey Hill"), aconteceram a cerca de cinco milhas de umas das áreas que receberão competições daqui a menos de sete anos.
Na Espanha, cuja capital Madri foi a última cidade derrotada pelo Rio na disputa por 2016, os principais jornais, independente da linha editorial, também deram espaço aos lamentáveis incidentes do fim de semana. O El País, jornal de linha esquerdista, em matéria do correspondente Francho Barón, afirmou que o episódio mostra que as “facções criminosas, quando se propõem a isso, seguem tendo a capacidade de semear o pânico na cidade mais turística do país.”
O jornal deu destaque ainda ao relatório apresentado na última quinta pela ONG Viva Rio, que denunciou o precário controle sobre as armas de fogo que circulam pelo Brasil. O correspondente do El País afirma que isso outorga um poder de fogo aos grupos delinquentes que preocupa as autoridades cariocas principalmente por conta dos Jogos Olímpicos de 2016.
O El Mundo, publicação de direita, destacou as afirmações de Lula, que promete “limpar a sujeira” do Rio de Janeiro até 2016.
Mas além das críticas, veladas ou descaradas, contra a escolha da capital fluminense para receber a Olimpíada, os jornais estrangeiros destacaram um contraponto: as declarações do inglês Craig Reedie, membro do comitê executivo do COI. Ele comparou a situação vivida pelo Rio neste fim de semana com aquela passada por Londres em 2005, pouco antes de ter sido escolhida sede dos Jogos de 2012.
Há pouco mais de quatro anos, a capital inglesa sofreu quatro atentados terroristas simultâneos em ônibus e estações de metrô, que deixaram 52 mortos. Segundo Reedie, mesmo com esse histórico, hoje ninguém fala em evitar a Olimpíada em Londres por razões de segurança. “Lamento profundamente o que aconteceu no Rio, mas devo dizer que parece insignificante comparado com o que ocorreu em Londres em 2005”, disse o dirigente do COI.
Com todo respeito ao senhor Reedie e, principalmente, às vítimas do atentado de 2005, a situação das duas cidades não tem nada de parecido. É claro que uma ação terrorista, imprevisível e causando dezenas de mortes de uma única vez, aparentemente choca muito mais do que uma guerra entre bandidos e policiais. Mas no caso de Londres, trata-se de um episódio isolado.
O problema no Rio é muito mais grave. Chega a ser crônico. Mesmo sem acesso às estatísticas, é possível afirmar categoricamente que, apenas nestes 20 dias de outubro de 2009, mais do que 52 pessoas foram vítimas da violência na sede dos Jogos de 2016.
A promessa das autoridades é que a Olimpíada deixará inúmeros legados, um deles na área da segurança. Difícil acreditar, porém, que em menos de sete anos o poder público retome o controle de áreas abandonadas a sua própria sorte e dominadas por um verdadeiro poder paralelo. Isso exige não apenas a aplicação de centenas de milhões de reais para se equipar as forças de segurança, como já foi prometido, mas principalmente investimentos pesadíssimos em reurbanização das favelas, educação, saúde e programas efetivos de inclusão de jovens carentes.
Espera-se que tudo isso seja feito, apesar de ser mais fácil apostar que apenas haverá uma trégua entre traficantes e policiais durante as duas semanas dos Jogos de 2016, voltando tudo a ser como antes quando a pira olímpica for apagada. E o mais triste de toda a situação é saber que um país precisa ter o pretexto de sediar um grande evento internacional para só então pensar em se mobilizar para cumprir com obrigações básicas.

O (Ig)Nobel de Saramago



Poucos escritores da chamada “alta literatura” conseguem causar tanta comoção no mercado editorial brasileiro quanto José Saramago. Basta o escritor português lançar um novo livro para rapidamente galgar posições na lista dos mais vendidos e começar a repercutir na mídia e nos fóruns de discussão na internet. Entretanto, não deixa de ser sintomático que, quanto mais Saramago cresce em popularidade, mais ele cai no conceito da crítica especializada.

Não é por menos. Desde 1998, quando o autor conquistou o Nobel de Literatura, a qualidade de seus livros vem traçando uma curva descendente, que teve em “Ensaio sobre a lucidez” seu ponto mais baixo. Foi-se o tempo em que o escritor era capaz de criar alegorias e explorá-las até o esgotamento. Hoje, seus livros sofrem de sérios problemas estruturais: lá pela metade de “As intermitências da morte”, a indecisão do escritor sobre o que fazer com a história é visível. Além disso, em seus romances mais recentes, sobra forma e falta conteúdo. É como se Saramago estivesse deslumbrado com o próprio estilo e tivesse se esquecido de que a boa literatura se faz principalmente com boas idéias. Em suas páginas, chovem frases de efeito, capazes até de cativar os leitores mais incautos, mas cujo objetivo não parece ser outro senão esconder um imenso vazio imaginativo.

Outro sintoma de que Saramago vem perdendo relevância está na sua recente insistência em voltar aos mesmos temas sem acrescentar nada de novo. Nada contra um escritor ter obsessões: Philip Roth vem criando uma bibliografia notável em torno da temática da velhice. No caso de Saramago, contudo, a repetição parece refletir um esgotamento ou uma tentativa de resgatar o brilho de seus anos dourados, quando era capaz de despertar a ira da Igreja e se via “obrigado” a se autoexilar na ilha de Lanzarote.

Esse parece ser o caso de “Caim”, seu novo romance que está sendo lançado nacionalmente esta semana (que, confesso, não li e, depois de tantas decepções, não pretendo ler) e que já vem com uma polêmica embutida. Polêmica tola, por sinal: na última semana, em Roma, Saramago afirmou: "Que Ratzinger tenha a coragem de invocar Deus para reforçar seu neomedievalismo universal, um Deus que ele jamais viu, com o qual nunca se sentou para tomar um café, mostra apenas o absoluto cinismo intelectual desta pessoa."

Ora, até mesmo eu que sou ateu sei que, para um cristão, o grande mérito está exatamente em acreditar em Deus sem que se tenha nenhuma prova de sua existência. Conforme explica Jostein Gaarder em seu “O livro das religiões”, “É apenas por meio da fé em Jesus que o homem pode ser salvo. (...) A fé tem mais a ver com o coração do que com a cabeça. Hoje em dia, muitas pessoas interpretariam o verbo crer como ‘ter uma convicção’ ou ‘achar que algo é verdade’. Em termos cristãos, é mais correto falar em ‘confiança’ ou ‘fidelidade’. A palavra latina ‘fé’ (fides) significa justamente isso.”

Ou, como escreveu Luis Felipe Pondé em crítica publicada na Folha do último sábado, “Saramago parece não ter percebido ainda que não é o ‘fator Deus’ que leva os homens a serem a besta fera que são, mas sim o ‘fator Homem’ que gera a bestialidade histórica de que ele tanto reclama.”

Um fã sempre poderá dizer que um Saramago ruim é melhor do que muita coisa por aí. Pode até ser. Mas o argumento esconde uma verdade incômoda: um Saramago ruim é pior do que muita coisa boa que vem sido feita por aí e, obviamente, é pior do que um Saramago bom. É válido que o leitor se indague por que ler “Caim” se 1) o autor já fez uma crítica contundente ao cristianismo no magistral “O evangelho segundo Jesus Cristo; e 2) há tantos escritores atualmente fazendo literatura mais relevante que a de Saramago (Lobo-Antunes, Gonçalo Tavares, Mia Couto, só pra ficar nos autores de língua portuguesa).

A discussão de “Caim”, portanto, já se esvazia antes mesmo de começar. Mas tudo bem: o próprio escritor afirmou, em entrevista ao Estadão, que espera que os católicos “não se metam com um livro que não lhe diz respeito”. A resposta permite, assim, um vislumbre da verdadeira proposta do livro: não se trata de gerar uma discussão construtiva, mas sim de falar e não escutar, de fazer barulho e vender horrores.

Recentemente, Saramago explicou sua intensa produtividade nos últimos anos: “Simplesmente, ainda tenho algumas coisas a dizer. Talvez com mais urgência porque o fim da minha vida se aproxima”. Para ficarmos na popularidade sem conteúdo, quiçá o melhor seja fazer como aquela personagem do Zorra Total que dizia “Eu só abro a boca quando tenho certeza”. Quem sabe assim o brilho do Saramago dos anos 80 e 90 seja capaz de sobreviver ao Saramago pós-Nobel.

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Se gostar de “Caim”, procure também: bom, se você realmente gostar do chamado “Saramago tardio”, sugiro uma (re)visita às obras-primas “Ensaio sobre a cegueira”, “Memorial do convento” e “O evangelho segundo Jesus Cristo”. Estes, sim, são livros que merecem seu tempo e seu dinheiro.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Almoço em agosto


Na tradicional fórmula hollywoodiana, um personagem feminino idoso tem duas funções possíveis: ou é a mentora taradinha “pra frentex”, ou é a megera de quem o protagonista precisa se livrar para chegar ao seu objetivo final. Dessa forma, podem causar um certo estranhamento na platéia as velhinhas de “Almoço em agosto”, comédia italiana escrita, dirigida e protagonizada por Gianni di Gregorio.

A história é simples: Gianni, um homem de meia-idade que mora com a mãe, aceita hospedar em seu apartamento, durante um feriado, três senhoras de idade, em troca do perdão de suas dívidas. E isso é tudo, porque “Almoço em Agosto” não tem reviravoltas incríveis, não tem estereótipos fáceis e, pode ter certeza, essa turminha da pesada não vai se meter em altas confusões.

Na verdade, a graça do longa surge do olhar apurado de Gianni di Gregorio para captar características universais da terceira idade. É impossível, para o público, não reconhecer uma avó ou aquela tia velhinha nos gestos, nas birras, nas manias ou na morosidade da conversa das quatro coroas (os sinônimos estão acabando) sobre as quais se debruça o filme.

O riso, então, surge tímido e vai ganhando força à medida que o espectador se identifica com as agruras do personagem principal. A iluminação e as atuações naturalistas contribuem para uma sensação de realidade: é como se nos sentíssemos em casa, ou se estivéssemos espiando os excertos do dia-a-dia de um vizinho, em um prazer quase voyeurístico.

“Almoço em agosto” é um filme saboroso, daqueles que deixam a platéia com um sorrisão no rosto na saída do cinema. Não vai fazer você chorar de rir, mas, convenhamos, é uma alternativa melhor que a última comédia romântica da Cameron Diaz e do Ashton Kutcher.

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Se gostar de “Almoço em agosto”, procure também: “O filho da noiva”, de Juan José Campanella e “Ninho vazio”, de Daniel Burman.

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Título: Almoço em agosto
Diretor: Gianni di Gregorio
Gênero: comédia
75 minutos

2007 revivido

Muita gente voltou a valar em bolha e "descolamento". Para quem não conhece bem os termos, eles estão intimamente ligados à crise econômica e ao pânico que jogou a economia global em uma baita recessão. Até o começo de 2007 os preços dos imóveis nos EUA e em alguns países europeus subiam sem parar, em parte porque havia muito dinheiro barato pronto para assumir os riscos do mercado. Uma bolha, que deu origem à crise . Na mesma época, falava-se que os mercados emergentes haviam descolado do mundo rico e que não sofreriam durante o processo de esvaziamento da bolha. A tese estava furada - embora, é verdade, a recuperação nos emergentes esteja acelerada. Os dois termos voltaram porque os mercados se recuperaram de forma surpreendente. Os preços das ações estão perto do ponto visto antes da crise, as commodities subiram e até os preços dos imóveis nos EUA dão sinais de vida. Em grande medida, os preços são sustentados por dinheiro barato injetado pelos bancos centrais. Se voltarmos ao diagnóstico da bolha de 2007, o cenário é parecido. Dinheiro barato aumenta o apetite por risco e, pior, com a sensação de que, caso algo dê errado, os governos voltarão a intervir. E, como em 2007, voltou a tese do descolamento - a qual não está pronta para sobreviver a um teste prático. Como estruturalmente nada mudou ainda na economia global, estes dias de retomada são mais perigosos do que parecem. Quem quiser ir adiante pode ler este texto publicado no Financial Times de hoje.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

O mundo de Bolaño


Lá pelo terço final do romance “Soldados de Salamina”, de Javier Cercas, o escritor Roberto Bolaño surge como personagem para fazer uma curiosa intervenção no rumo da história. Quando o protagonista, que escreve um livro sobre a guerra civil espanhola e não consegue encontrar uma testemunha-chave do conflito, indaga de Bolaño o que deveria fazer, o autor chileno não hesita:

"- Você terá que inventar a entrevista com Miralles. É a única e a melhor forma de terminar o romance. (...) A realidade sempre nos trai; o melhor é não dar tempo a ela e traí-la antes. O Miralles real te decepcionaria; é melhor que o invente: seguramente, o Miralles inventado é mais real que o real."

Contar mais é estragar o final do livro, que merece ser lido. Mas a importância do trecho não está somente no fato de estabelecer a virada principal na trama de “Soldados...”, mas principalmente na forma como simboliza o atual papel de Bolaño como guru do que de melhor tem surgido na literatura em língua espanhola nos últimos anos.

Morto precocemente em 2003 após uma série de complicações hepáticas, Bolaño deixou cerca de 20 livros, entre romances, contos e poesia, nos quais, não é exagero dizer, conseguiu reinventar a literatura latino-americana sem negar sua tradição. Misturando o urbano com o pitoresco e buscando referências na cultura européia, o escritor chileno criou uma obra que consegue ser pop sem ser rasa, um pastiche de estilos e referências que leva finalmente a literatura latino-americana ao encontro do (pós-)pós-moderno e permite que ela escape, enfim, das amarras do realismo fantástico. Nesse sentido, ele se liberta, e liberta a própria literatura do nosso subcontinente, de um certo autocentrismo, partindo rumo a uma universalidade enriquecedora que, ao se espelhar em outras tradições, consegue definir melhor sua própria identidade.

Não que essa transgressão seja necessariamente pioneira. Mas o mérito de Bolaño é assimilar o antigo e o vanguardista, pôr tudo no liquidificador e assim criar o novo. Em “Os Detetives Selvagens”, considerado por muitos sua obra-prima, é possível encontrar um experimentalismo que costuma render comparações com Julio Cortázar, ainda que o estilo do chileno não possua o hermetismo do seu colega argentino. Isso porque, nos livros de Bolãno, há pluralidade de narradores, há metanarrativa, mas há sobretudo uma boa história, muitas vezes convencional, quase sempre romântica. Seus livros agarram o leitor e o levam por uma jornada apaixonante, em que a tragédia e o patético freqüentemente se confundem. Seus personagens são invariavelmente escritores, que se jogam no mundo em pequenas aventuras, à procura de algo que não sabem definir (de si próprios?).

Essa obsessão por protagonistas latinos, exilados e malditos reflete a própria biografia do autor. Após apoiar Salvador Allende e ser preso por Pinochet, Bolaño abandonou o Chile e correu o mundo. Morou no México, em El Salvador, na França e na Espanha. Foi vigia noturno, camelô, guerrilheiro, boêmio, vagabundo. Passou necessidade, escreveu para sobreviver, usou muitas drogas. Em recente matéria publicada pela Folha de S. Paulo, Sarah Pollack, professora da City University de Nova York, chega a definir a aura cool de Bolãno como “uma mistura dos beatniks com Rimbaud”.

A comparação do escritor chileno com o famoso movimento sócio-cultural-filosófico-literário surgido nos EUA durante os anos 50 não merece parar por aí. No já citado “Os Detetives Selvagens”, os dois protagonistas, Ulises Lima e Arturo Belano (Belano, Bolaño, pegou?) partem em um carro rumo ao deserto de Sonora, à procura de uma poetisa perdida, antes de saírem viajando pelos mais diversos países. É uma espécie de “On the road” da era da globalização, já que, aqui, a estrada é substituída pelo próprio mundo.

E, assim como no clássico beat de Kerouak, o que o leitor encontra em “Os Detetives Selvagens” é uma história envolvente, daquelas que despertam uma vontade imensa de se viver uma experiência parecida, repleta de personagens capazes de deixar saudades após se chegar à última página. É inegável que a intensidade e a riqueza da narrativa se devem à vivência de Bolaño, que realmente passou por grande parte das peripécias às quais submete seus personagens. Não é à toa que, a certa altura de “Soldados de Salamina”, ele comente com o protagonista:

“- Para escrever romances, não é preciso imaginação. Só memória. Os romances se escrevem combinando lembranças.”

Para nossa felicidade, lições como essas vêm sendo assimiladas e aplicadas pelos inúmeros escritores que, através de seu estilo ou temática, dão atualmente continuidade ao legado de Bolaño para a literatura do nosso subcontinente e, por que não, do resto do mundo.

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O melhor de Roberto Bolaño:
"Os Detetives Selvagens" – A obra-prima
"2666" – Os méritos e defeitos de “Detetives” elevados à 2666ª potência
"Noturnos do Chile" – Para os iniciados no universo do autor
"Putas Assassinas" e "Llamadas telefónicas": os melhores livros de contos

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Alguns dos escritores que foram influenciados por Bolaño, ou fizeram parte de seu círculo de amizades, ou exploram temática similar à do escritor chileno:

Enrique Vila-Matas (ESP)
Antonio di Benedetto (ARG)
Rodrigo Fresán (ARG)
Alan Pauls (ARG)
Alberto Fuguet (CHI)
Javier Cercas (ESP)