terça-feira, 20 de outubro de 2009

O Rio não é Londres


Pegou mal, muito mal mesmo, na imprensa internacional o mais recente episódio da guerra nos morros do Rio de Janeiro, poucos dias depois de a cidade ter sido escolhida como sede dos Jogos Olímpicos de 2016. Jornais de todo o mundo destacaram os tiroteios que mataram 21 pessoas no último fim de semana, três delas após a queda de um helicóptero da polícia, abatido a tiros por traficantes.
As cenas, que mais parecem de um filme de Hollywood, impressionaram correspondentes estrangeiros e repercutiram especialmente em jornais de países envolvidos diretamente na disputa pela sede da dita Olimpíada, como Estados Unidos e Espanha.
O Chicago Tribune, principal jornal de uma das três cidades superadas pelo Rio na eleição final do Comitê Olímpico Internacional (COI), destacou as promessas feitas pelas autoridades brasileiras de que haverá segurança durante a Olimpíada, “apesar das guerras de gangues”. O veículo ressaltou ainda que os tiroteios no Morro dos Macacos ("Monkey Hill"), aconteceram a cerca de cinco milhas de umas das áreas que receberão competições daqui a menos de sete anos.
Na Espanha, cuja capital Madri foi a última cidade derrotada pelo Rio na disputa por 2016, os principais jornais, independente da linha editorial, também deram espaço aos lamentáveis incidentes do fim de semana. O El País, jornal de linha esquerdista, em matéria do correspondente Francho Barón, afirmou que o episódio mostra que as “facções criminosas, quando se propõem a isso, seguem tendo a capacidade de semear o pânico na cidade mais turística do país.”
O jornal deu destaque ainda ao relatório apresentado na última quinta pela ONG Viva Rio, que denunciou o precário controle sobre as armas de fogo que circulam pelo Brasil. O correspondente do El País afirma que isso outorga um poder de fogo aos grupos delinquentes que preocupa as autoridades cariocas principalmente por conta dos Jogos Olímpicos de 2016.
O El Mundo, publicação de direita, destacou as afirmações de Lula, que promete “limpar a sujeira” do Rio de Janeiro até 2016.
Mas além das críticas, veladas ou descaradas, contra a escolha da capital fluminense para receber a Olimpíada, os jornais estrangeiros destacaram um contraponto: as declarações do inglês Craig Reedie, membro do comitê executivo do COI. Ele comparou a situação vivida pelo Rio neste fim de semana com aquela passada por Londres em 2005, pouco antes de ter sido escolhida sede dos Jogos de 2012.
Há pouco mais de quatro anos, a capital inglesa sofreu quatro atentados terroristas simultâneos em ônibus e estações de metrô, que deixaram 52 mortos. Segundo Reedie, mesmo com esse histórico, hoje ninguém fala em evitar a Olimpíada em Londres por razões de segurança. “Lamento profundamente o que aconteceu no Rio, mas devo dizer que parece insignificante comparado com o que ocorreu em Londres em 2005”, disse o dirigente do COI.
Com todo respeito ao senhor Reedie e, principalmente, às vítimas do atentado de 2005, a situação das duas cidades não tem nada de parecido. É claro que uma ação terrorista, imprevisível e causando dezenas de mortes de uma única vez, aparentemente choca muito mais do que uma guerra entre bandidos e policiais. Mas no caso de Londres, trata-se de um episódio isolado.
O problema no Rio é muito mais grave. Chega a ser crônico. Mesmo sem acesso às estatísticas, é possível afirmar categoricamente que, apenas nestes 20 dias de outubro de 2009, mais do que 52 pessoas foram vítimas da violência na sede dos Jogos de 2016.
A promessa das autoridades é que a Olimpíada deixará inúmeros legados, um deles na área da segurança. Difícil acreditar, porém, que em menos de sete anos o poder público retome o controle de áreas abandonadas a sua própria sorte e dominadas por um verdadeiro poder paralelo. Isso exige não apenas a aplicação de centenas de milhões de reais para se equipar as forças de segurança, como já foi prometido, mas principalmente investimentos pesadíssimos em reurbanização das favelas, educação, saúde e programas efetivos de inclusão de jovens carentes.
Espera-se que tudo isso seja feito, apesar de ser mais fácil apostar que apenas haverá uma trégua entre traficantes e policiais durante as duas semanas dos Jogos de 2016, voltando tudo a ser como antes quando a pira olímpica for apagada. E o mais triste de toda a situação é saber que um país precisa ter o pretexto de sediar um grande evento internacional para só então pensar em se mobilizar para cumprir com obrigações básicas.

3 comentários:

  1. Bem-vindo, Soroca!
    Aproveitando o paralelo entre Londres e Rio, a cidade carioca está mais ou menos para o que era a cidade inglesa no fim do século 19. Talvez um pouco menos, porque Londres foi capital de um império de verdade etc. Será necessário um ciclo longo de crescimento, combinado com redução da desigualdade e aumento do nível de educação para acelerar o passo no Rio. Um ciclo de seis anos pode ser suficiente para jogos tranquilos?

    ResponderExcluir
  2. Soroca,

    o que o tal de Craig Reedie disse é que, como evento isolado, os atentados em Londres causaram muito mais dano. E mais nada. O que não parece ser mentira. Em nenhum momento ele falou que a situação das cidades é parecida ou que os problemas podem ser resolvidos do mesmo modo.

    Inclusive,na mesma matéria no The Independent, onde li essa declaração, Mike Lee, relações públicas das candidaturas de Londres e Rio, pontua bem que a natureza de ambos os eventos é diversa.

    Enfim, todos sabem disso.

    No mais, você tocou num ponto importante. A diferença entre ver as Olimpíadas como pretexto ou como oportunidade é o que definirá o futuro da cidade depois dos jogos olímpicos.

    Se o evento servir de estímulo para que as coisas mudem não há como criticar a escolha do Rio como sede olímpica. Se for somente uma desculpa para construção de grandes obras, que sempre enchem o bolso de muita gente, não restará legado algum depois dos jogos.

    O que se precisa ter em mente é que a definição entre um dos dois focos não é somente responsabilidade do poder público mas também da sociedade, que elegerá por duas vezes os encarregados pelas chaves dos cofres públicos até lá.

    Acredito que os episódios dos últimos dias pouco têm de relevante para apontar como boa ou má a escolha do Rio como sede olímpica.

    Não se viu novidade alguma. É o dia a dia do carioca há muito tempo. Um cotidiano que o morador da cidade quer mudar. Por isso o apoio maciço de seus cidadãos à RIO2016.
    E, sinceramente, acho muito melhor do que o ceticismo acrítico da maior parte dos opositores à candidatura.

    Dizer que o Rio tem deficiências e que o melhor seria resolvê-las do que gastar com estádios e praças esportivas luxuosas parece óbvio, mas não passa de um sofisma. Assim como o argumento de que tem gente que vai ficar rica com o evento.

    Ninguém se ilude quanto ao desaparecimento de todos os problemas cariocas em sete anos. Mas se acredita que, se o trabalho for bem feito nesse período, podem-se acelerar processos que já estão em andamento há algum tempo, como a urbanização das favelas e inclusão social de seus moradores.

    A questão do tráfico, embora não dependa só de dinheiro e aparelhamento da polícia (que ótimo se fosse só isso), também poderá ser muito melhor trabalhada.

    Tem gente que vai ganhar muito dinheiro com as Olimpíadas? Claro que vai. Para que seja erguida qualquer obra pública particulares enriquecem. É inerente a nosso sistema político.

    O importante é que tudo seja muito bem fiscalizado para que não se repita a farra do Pan. Instrumento para isso não falta. O que falta é vontade de mudar o país.

    Saudações rubro-negras.

    ResponderExcluir
  3. Prezado anônimo (ou nem tanto),
    De fato, ao afirmar que o que aconteceu no Rio é insignificante em relação ao que ocorreu em Londres em 2005, sir Reedie realmente estava comparando dois fatos isolados (guerra no Morro dos Macacos x atentado terrorista) e não estava mentindo. O problema é que a situação do Rio já não pode mais ser vista como fato isolado, bem diferente da situação de Londres. Por isso minha crítica ao inglês.
    No mais, concordo em gênero, número e grau com suas colocações.
    E vê se da próxima vez assina o comentário. Essas saudações rubro-negras no final te entregaram, hahaha.

    ResponderExcluir