Seja sincero: o que você faria se alguém te obrigasse a assistir a um clássico em preto e branco dos anos 40? Talvez até topasse, certo? Mas antes de responder saiba que se trata de um musical. E não é só: dizem por aí que a história é uma tremenda patriotada americana, repleta de bandeiras, listras e estrelinhas.
Bom, essa era mais ou menos a sensação que eu tinha ao colocar o disco de “A canção da vitória” pra rodar no meu aparelho de DVD. Talvez você fique ainda mais desconcertado ao saber que a pessoa que me obrigou a passar por essa experiência era ninguém mais, ninguém menos, do que eu próprio, Leonardo, 30 anos, redator em crise.
Antes que você saia me acusando de sadomasoquismo ou resmungue algo do tipo “Eu sempre achei esse cara meio estranho mesmo”, vou tentar explicar como fui parar no meio dessa situação insólita. Para isso, terei que voltar um pouco no tempo.
Em 1997, o American Film Institute, organização dedicada “ao reconhecimento e à celebração da excelência na arte” do cinema, elegeu o que seriam os “100 melhores filmes americanos de todos os tempos”. Como toda lista que se preze, a relação foi criticada, detonada e desprezada por especialistas do mundo todo. De qualquer forma, acabou se tornando referência para diversos cinéfilos, incluindo aí este que vos escreve, e ganhou inclusive uma versão atualizada 10 anos depois.
Estamos de volta a 2009. Este intrépido blogueiro, em uma tarde de pouca inspiração, decide que seria por bem assistir, ou reassistir, a cada um dos 100 filmes da lista original da AFI e comentá-los aqui no Newsper porque:
a) Achou que, na pior das hipóteses, seria um bom aprendizado sobre a sétima arte;
b) Adora completar uma lista;
c) Não tem nada melhor para fazer.
Tomada a decisão mais difícil, qual seja, a de realizar a viagem, faltava apenas definir qual seria a rota. Decidi então começar pelo 100º lugar, que se trata justamente de “A canção da vitória”, e a partir daí ir assistindo filme por filme até chegar ao primeiro colocado.
Bom, agora você entende.
Mas antes de dar a minha opinião geral sobre a experiência, um pouquinho de história. “A canção da vitória” (ou “Yankee Doodle Dandy” no original) foi lançado em 1942, em plena Segunda Guerra Mundial. O filme retrata a vida de George M. Cohan, um dos maiores astros dos musicais americanos do início do século XX. Tudo bem que, no filme, a vida do sujeito seja um pouco romanceada (na verdade, muito romanceada). Cohan é retratado como um tipo simpático, apoiado por sua família até mesmo nas decisões mais difíceis, casado com uma mulher submissa e condescendente, o que, como é fácil de descobrir na Internet, não corresponde necessariamente à verdade.
Responsável por vários sucessos da Broadway, Cohan tinha na dramatização de sua biografia um potencial êxito de público. Por isso, a Warner não quis arriscar e escalou Michael Curtiz para a direção. Talvez você não esteja ligando o nome à pessoa: Curtiz é o homem por trás de “Casablanca”, também de 1942, e de mais 160 filmes que o consagraram como um dos mais versáteis talentos da Warner. Na época, o estúdio era famoso por seus filmes de gangsters, que tinham nos atores Edward G. Robinson e James Cagney dois de seus maiores ícones. Pois é justamente Cagney, que já havia sido dirigido por Curtiz no filme “Anjos de cara suja”, quem interpreta o protagonista de “A canção da vitória”. Conhecido por seus tipos durões, foi no papel de Cohan que o ator pôde finalmente exibir seus dotes de dançarino e cantor, em uma atuação que seria recompensada com o Oscar daquele ano.
Bogart e Cagney em Anjos de cara suja: "Isto é por trocar a Ingrid Bergman por aquele capitão bigodudo!"
Repleto de números musicais com temas tipicamente americanos, o longa é assumidamente patriótico. Também pudera: durante a guerra, o cinema passou a ser visto como uma forma de levantar o moral da nação e fazer propaganda dos ideais democráticos. Consta que, já em 1942, 1/3 dos filmes saídos de Hollywood tinham como cenário os campos de batalha. O público correspondeu comparecendo às salas de cinema em massa e, ao final do conflito, as bilheterias já se comparavam às do período anterior à Grande Depressão.
A história de “A canção da vitória” não tem muito segredo: ao ser chamado para conversar com o então presidente Franklin Roosevelt, Cohan tem a oportunidade de contar a sua vida, explicando como saiu de uma família de pequenos artistas para se tornar uma das grandes figuras da Broadway. Os números musicais, portanto, fazem parte do contexto do filme. Ou seja, nada daquelas cenas em que os personagens começam a cantar no meio de um diálogo, acompanhados por desconhecidos que, sabe-se lá como, também conhecem a letra da música.
Até o Sarney faz a sua pontinha.
A essa altura talvez você já esteja se perguntando, “Mas, afinal, vale a pena o programa?”, ao que eu prontamente respondo, “Sim, meu pequeno gafanhoto”. Talvez porque, e agora tire as crianças da sala porque vou fazer uma revelação bombástica, eu gosto de musicais. E, caso você tenha preconceito contra o gênero, eu recomendo: experimente assistir a um musical, nem que seja apenas uma vez na vida. De preferência a algum clássico, como “Dançando na chuva”. Você vai se surpreender, porque muitas das canções e coreografias são realmente empolgantes. Se ainda tiver alguma pulga atrás da sua orelha, pense: oras bolas, o tal do Cohan não deve ter feito sucesso por acaso. Certamente há de haver algo de interessante em suas músicas.
Além disso, você há de convir que um diretor como Curtiz, com tantos filmes nas costas, deve saber o que está fazendo. A história tem ritmo, James Cagney é realmente carismático e, ainda que algumas situações sejam um pouco previsíveis e esquemáticas, há alguns diálogos realmente bem sacados.
De forma que “A canção da vitória” acabou se revelando, no final das contas, um filme bastante simpático. Tudo bem que você provavelmente terá vontade de dar uma surra na versão mirim do protagonista ao menos umas cinco vezes durante a primeira meia hora de projeção. Mas, se baixar suas defesas, eu garanto que, assim como eu, você pode acabar se divertindo.
***
Título: A canção da vitória (Yankee Doodle Dandy)
Direção: Michael Curtiz
Com: James Cagney, Richard Whorf, Joan Leslie
Gênero: Musical
Ano: 1942
126 min.
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