Você que me lê agora e que navega com destreza pela internet talvez nem imagine, mas o seu teclado foi projetado para complicar a sua vida. A história é conhecida: a disposição atual das teclas, o famoso padrão QWERTY, foi herdada das máquinas de escrever. Ao perceber que os usuários digitavam cada vez mais rápido, causando o enroscamento dos martelos que imprimiam os caracteres no papel, um fabricante de máquinas datilográficas lançou um desafio entre seus funcionários: criar uma tecnologia para acelerar os teclados. A iniciativa não teve muito resultado, até que alguém resolveu pensar fora da caixa e sugerir: por que, ao invés de aperfeiçoar as máquinas, não tornamos os digitadores mais lentos?
Foi o que aconteceu: as letras mais utilizadas, como “A” e “E”, foram jogadas para os lados, obrigando o usuário a utilizar os dedos mínimos para alcançá-las, o que dificultava a tarefa de escrever. Com o advento dos computadores, a necessidade de diminuir a velocidade dos digitadores deixou de existir, mas o padrão QWERTY seguiu firme e forte por um simples motivo: já estava consagrado.
Essa história, que li há muito tempo em um livro sobre criatividade chamado “Um toc na cuca”, sempre vem à minha cabeça quando passo os olhos sobre alguma nova matéria relacionada aos livros digitais. Isso porque, por mais inovador que um Kindle possa parecer (imagine carregar uma biblioteca inteira em sua mochila!), seu funcionamento básico é análogo ao de um livro de papel: é preciso virar páginas, a leitura é linear, feita de cima para baixo e da esquerda para a direita. Até o tamanho do aparelho é similar ao do seu colega centenário.
Dessa forma, assim como o uso do padrão QWERTY pode parecer absurdo para o usuário do século XXI, a tecnologia dos livros digitais parece cega às reais possibilidades que a digitalização e a democratização das informações proporcionada pela internet oferecem. Fala-se muito sobre o déficit de atenção das gerações mais novas e da sua dependência psicológica de interatividade e estímulos visuais. “Os jovens não lêem mais” é algo que se ouve muito por aí. Mas o fato é que as formas de narrativa consagradas, como o romance, a novela e o conto, permanecem presas a regras estabelecidas há centenas de anos. Não se atualizaram, não se renovaram: talvez essa seja uma explicação para a literatura estar se tornando “coisa de velho”.
Uma opção seria, então, adequar os livros às novas tecnologias. Se a moda agora é o blog e o twitter, por que não um blog-romance, onde os comentários acrescentariam subtextos aos dilemas do autor-narrador? Se a onda são os vídeos no you tube, por que não agregar filmes e fotos como forma de enriquecer a experiência proporcionada pela leitura? Antes que algum leitor torça o nariz, lembro que autores como Valêncio Xavier já fizeram experimentações nesse sentido, mesclando fotos, texto e recortes de jornal em livros consagrados como “O Mez da Grippe”. Ou melhor, por que não fazer da internet o palco para um grande, imenso romance, sem começo nem fim, com infinitos caminhos e becos sem saída, onde o leitor define a linearidade da sua história navegando por uma imensidão de links interconectados, em uma espécie de “O jogo da amarelinha” do século XXI?
Outros conceitos, como realidade aumentada, também poderiam ser aproveitados. Soube de um joguinho para Game Boy em que o jogador caça fantasmas em sua própria casa, fantasmas que só consegue “ver” através da tela do aparelho. Por que não desenvolver um software parecido com fins literários? Filma-se a realidade, o software reconhece os estímulos e a partir deles forma poemas que interagem com a imagem captada e exibida na tela. Talvez pareça bizarro ou repulsivo, mas tenho certeza que a poesia concreta já fez coisa muito pior, e houve quem aplaudisse.
Ou, indo ainda mais longe, que tal usar ambientes de realidade virtual, similares ao Second Life e aos RPGs on-line, para reproduzir cenários literários, possibilitando ao leitor extrapolar o conceito de Umberto Eco de que o romance tem no leitor o seu segundo autor? Imagine caminhar por Macondo, interagir com seus personagens, viajar ao lado do cigano Melquíades, comer terra com Rebeca, cunhar peixinhos de ouro ao lado de José Arcádio.
Literatos mais conservadores sempre poderão afirmar que tudo isso não passa de masturbação mental, que nada substitui a força de uma boa história, com começo, meio e fim. Eu próprio já argumentei, em post anterior, a favor do poder do livro de papel como objeto e conceito. Acredito que, por mais que as idéias apresentadas aqui um dia vinguem e provem ser mais do que o resultado de uma tarde de ócio, o livro como o conhecemos sempre prevalecerá. Interativa ou não, haverá literatura para todos. O que importa é que a arte da narrativa sobreviva. Entretanto, a grande questão que gostaria de expor é: se vamos digitalizar, se vamos modernizar, então que chutemos o balde, que pensemos fora da caixa. Do contrário, o livro digital será como o teclado QWERTY: uma idéia que, por estar presa ao passado, não realiza seu potencial e acaba se tornando um estranho anacronismo.
Foi o que aconteceu: as letras mais utilizadas, como “A” e “E”, foram jogadas para os lados, obrigando o usuário a utilizar os dedos mínimos para alcançá-las, o que dificultava a tarefa de escrever. Com o advento dos computadores, a necessidade de diminuir a velocidade dos digitadores deixou de existir, mas o padrão QWERTY seguiu firme e forte por um simples motivo: já estava consagrado.
Essa história, que li há muito tempo em um livro sobre criatividade chamado “Um toc na cuca”, sempre vem à minha cabeça quando passo os olhos sobre alguma nova matéria relacionada aos livros digitais. Isso porque, por mais inovador que um Kindle possa parecer (imagine carregar uma biblioteca inteira em sua mochila!), seu funcionamento básico é análogo ao de um livro de papel: é preciso virar páginas, a leitura é linear, feita de cima para baixo e da esquerda para a direita. Até o tamanho do aparelho é similar ao do seu colega centenário.
Dessa forma, assim como o uso do padrão QWERTY pode parecer absurdo para o usuário do século XXI, a tecnologia dos livros digitais parece cega às reais possibilidades que a digitalização e a democratização das informações proporcionada pela internet oferecem. Fala-se muito sobre o déficit de atenção das gerações mais novas e da sua dependência psicológica de interatividade e estímulos visuais. “Os jovens não lêem mais” é algo que se ouve muito por aí. Mas o fato é que as formas de narrativa consagradas, como o romance, a novela e o conto, permanecem presas a regras estabelecidas há centenas de anos. Não se atualizaram, não se renovaram: talvez essa seja uma explicação para a literatura estar se tornando “coisa de velho”.
Uma opção seria, então, adequar os livros às novas tecnologias. Se a moda agora é o blog e o twitter, por que não um blog-romance, onde os comentários acrescentariam subtextos aos dilemas do autor-narrador? Se a onda são os vídeos no you tube, por que não agregar filmes e fotos como forma de enriquecer a experiência proporcionada pela leitura? Antes que algum leitor torça o nariz, lembro que autores como Valêncio Xavier já fizeram experimentações nesse sentido, mesclando fotos, texto e recortes de jornal em livros consagrados como “O Mez da Grippe”. Ou melhor, por que não fazer da internet o palco para um grande, imenso romance, sem começo nem fim, com infinitos caminhos e becos sem saída, onde o leitor define a linearidade da sua história navegando por uma imensidão de links interconectados, em uma espécie de “O jogo da amarelinha” do século XXI?
Outros conceitos, como realidade aumentada, também poderiam ser aproveitados. Soube de um joguinho para Game Boy em que o jogador caça fantasmas em sua própria casa, fantasmas que só consegue “ver” através da tela do aparelho. Por que não desenvolver um software parecido com fins literários? Filma-se a realidade, o software reconhece os estímulos e a partir deles forma poemas que interagem com a imagem captada e exibida na tela. Talvez pareça bizarro ou repulsivo, mas tenho certeza que a poesia concreta já fez coisa muito pior, e houve quem aplaudisse.
Ou, indo ainda mais longe, que tal usar ambientes de realidade virtual, similares ao Second Life e aos RPGs on-line, para reproduzir cenários literários, possibilitando ao leitor extrapolar o conceito de Umberto Eco de que o romance tem no leitor o seu segundo autor? Imagine caminhar por Macondo, interagir com seus personagens, viajar ao lado do cigano Melquíades, comer terra com Rebeca, cunhar peixinhos de ouro ao lado de José Arcádio.
Literatos mais conservadores sempre poderão afirmar que tudo isso não passa de masturbação mental, que nada substitui a força de uma boa história, com começo, meio e fim. Eu próprio já argumentei, em post anterior, a favor do poder do livro de papel como objeto e conceito. Acredito que, por mais que as idéias apresentadas aqui um dia vinguem e provem ser mais do que o resultado de uma tarde de ócio, o livro como o conhecemos sempre prevalecerá. Interativa ou não, haverá literatura para todos. O que importa é que a arte da narrativa sobreviva. Entretanto, a grande questão que gostaria de expor é: se vamos digitalizar, se vamos modernizar, então que chutemos o balde, que pensemos fora da caixa. Do contrário, o livro digital será como o teclado QWERTY: uma idéia que, por estar presa ao passado, não realiza seu potencial e acaba se tornando um estranho anacronismo.
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